O Engenho de Seu Lula

No início da segunda parte do livro, temos uma regressão temporal, com o narrador retornando a 1850 ao contar a fundação do engenho Santa Fé pelo Capitão Tomás Cabral de Melo. Mudando-se para a região antes de 1848, compra as terras e funda o engenho que acaba por fazer prosperar. Casa sua filha Amélia com Lula Chacon de Holanda, seu primo, que pouco interesse ou aptidão tem para dirigir o engenho. Adoentado, deixa sua mulher, D. Mariquinha, dirigir os negócios.

Quando morre, Lula entra em disputa com a sogra e acaba por tomar-lhe as terras e o poder. Castigando os escravos com requintes de crueldade, andando com seu cabriolé para cima e para baixo, Seu Lula vai se afastando cada vez mais do povo de Pilar e seu engenho entra em total decadência quando vem a Abolição e seus escravos debandam. Autoritário, impede os homens de se aproximarem da filha.

Epilético, tem um ataque na igreja e passa a se dedicar com fervor à religião. Empobrecido, gasta até as últimas moedas de ouro que lhe deixou o sogro. Sente uma inveja enorme de seu vizinho José Paulino e de seu engenho Santa Rosa e despreza o espírito quixotesco de Vitorino Carneiro da Cunha. Esta parte se encerra com a frase melancólica: "Acabara-se o Santa Fé".

Terceira parte: O Capitão Vitorino

Na terceira e última parte do romance predomina a ação. O capitão Antônio Silvino invade a cidade do Pilar, saqueia as casas e lojas. Invade o engenho Santa Fé, ameaça os moradores em busca do ouro escondido. Tentando defender o engenho, Vitorino é agredido e só a intervenção de José Paulino faz com que os cangaceiros desistam.

Vitorino apanha também da polícia, José Amaro e seus companheiros são presos e agredidos. No final, após serem libertados, Vitorino e o mestre José Amaro seguem rumos diferentes. O primeiro pensa em influir politicamente na região. O segundo, abandonado pela mulher, com a filha louca e expulso de sua casa, acaba por cometer o suicídio, enquanto o cabriolé de Lula passa pela estrada e o Santa Fé virou "engenho de fogo morto".

As filhas e as mulheres

Há uma sinistra simetria entre a sofredora filha de José Amaro, Marta, solteirona que aos poucos enlouquece e as duas dos senhores do engenho Santa Fé, seus antagonistas. A filha mais nova do Capitão Tomás Cabral de Melo, Olívia, enlouquece e perturba o silêncio áspero da casa grande com seus gritos.

Já a filha do Coronel Lula de Holanda, Neném, impedida pelo pai de casar-se, é melancólica e soturna. Sem filhos homens, os opositores, ensimesmados, machistas e teimosos, acabam destruindo suas filhas. As mulheres dos protagonistas também se assemelham em muito.

Sinhá Velha e Sinhá Adriana são mais práticas e racionais do que os maridos José Amaro e Vitorino, mas pouco podem contra o machismo e a teimosia dos homens. Na engenho Santa Fé, as mulheres sempre se mostram mais decididas e práticas do que o impotente Lula Chacon. Sua sogra, D. Mariquinha, comanda o engenho até a morte do marido, quando é passada para trás por Lula, que se mostra muito menos competente no comando do engenho, que acaba por ser dirigido, sutilmente, por sua mulher, D. Amélia.

Polícia ou bandido

Polícia e bandido em muito se assemelham. Tanto o capitão Antônio Silvino, o cangaceiro, quanto o tenente Maurício, chefe das tropas policiais, abusam da violência, ameaçam a todos, espancam o sonhador Vitorino, e espalham o terror por onde passam.

Mesmo se o povo, representado por José Amaro, respeita mais ao cangaceiro, as suas ações não deixam de comprovar, como o constata Vitorino, que utiliza métodos abusivos e muito próximos do terror implantado por seu opositor.

Biografia

José Lins do Rego nasceu no engenho Corredor, município de Pilar (Paraíba), em 3 de junho de 1901 e morreu no Rio de Janeiro em 1957. Era órfão de mãe e, com o pai ausente, foi criado, como sua personagem Carlos de Melo, no engenho do avô materno. Estudou inicialmente no interior da Paraíba, em Itabaiana, e depois na capital. Fez o curso superior na Faculdade de Direito em Recife, Pernambuco. 

Começou a escrever contos e artigos de temática política ainda estudante. Nessa época, iniciou sua amizade com José Américo de Almeida e Olívio Montenegro. Em 1923, conheceu Gilberto Freyre (1900-1987), recém-chegado da Europa. Junto com eles, integrou o chamado grupo modernista do Recife. 

José Lins dizia que, após conhecer Gilberto Freyre - sociólogo e escritor, autor de Casa-grande & Senzala (1933) - sua vida nunca mais foi a mesma: "de lá pra cá foram outras as minhas preocupações, ...os meus planos, as minhas leituras, os meus entusiasmos". E foi sob a influência de Gilberto Freyre que começou a escrever seus romances regionalistas. 

 Em 1924, casa-se com Philomena Massa (D. Naná). Do casamento, teve três filhas: Maria Elisabeth, Maria da Glória e Maria Cristina. 

 Em 1925, foi promotor público em Minas Gerais. Em 1926, transfere-se para Maceió (Alagoas), onde trabalha como fiscal de bancos por nove anos e convive com Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Aurélio Buarque de Holanda, Jorge de Lima e outros.

O contato com esses e outros artistas formou uma consciência regionalista em torno da vida nordestina, que marcou a obra de todos eles, especialmente a de José Lins do Rego. Em Maceió escreve os três primeiros romances: Menino de Engenho, Doidinho e Bangüê. 

Seu livro de estréia, Menino de Engenho, é publicado em 1932 e recebe o prêmio da Fundação Graça Aranha. Muito bem recebida pela crítica, a edição de dois mil exemplares foi quase totalmente vendida no Rio de Janeiro. 

Em 1935, nomeado fiscal do imposto de consumo, vai para o Rio de Janeiro, onde passaria o resto de sua vida. Esteve em países sul-americanos, na Europa e no Oriente. É eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 15 de setembro de 1955. Dois anos depois, em 12 de setembro de 1957, morre e é enterrado no mausoléu da Academia, no cemitério São João Batista.

Obra

José Lins do Rego publicou doze romances, um volume de memórias (Meus Verdes Anos), um de literatura infantil (Histórias da Velha Totônia), além de livros de viagem, conferências e crônicas. Seus romances são normalmente classificados em "ciclos", séries de obras versando sobre os mesmos temas:

• "Ciclo da cana-de-açúcar": Menino de Engenho, Doidinho, Bangüê, Usina e Fogo Morto.

• "Ciclo do cangaço, misticismo e seca": Pedra Bonita e Cangaceiros.

• Obras com implicações nos dois ciclos indicados: O Moleque Ricardo, Pureza, Riacho Doce.

• Obras desligadas desses ciclos: Água-mãe e Eurídice.

José Lins X Graciliano Ramos

Graciliano e José Lins: a aridez do agreste e a exuberância da zona da mata.

Outro dos grandes escritores surgidos durante a década de 30 dedicados ao romance regionalista, Graciliano Ramos (1892 - 1953) foi, desde o seu encontro em Maceió no início dos anos 30, grande amigo e admirador de José Lins do Rego. Mesmo quando, em 1945, polemizaram pelos jornais sobre o partido comunista, no qual Graciliano Ramos ingressara, este encerra seu artigo com estas palavras de amizade: "Sinto discordar do meu velho amigo José Lins, grande cabeça e enorme coração".

Graciliano jamais poderia esquecer que José Lins do Rego fora um dos brasileiros mais empenhados em conseguir sua libertação quando o velho Graça fora aprisionado, durante o ano de 1936, pela ditadura Vargas. Mas suas diferenças não foram apenas políticas. Enquanto a escrita de Graciliano era seca e contida como o sertão que descreve em Vidas Secas, a de José Lins era exuberante e derramada como a natureza pródiga da Zona da Mata que abriga os engenhos de seus romances.

Mas Fogo Morto, o mais contido e elaborado romance de José Lins, aproxima-se do colega alagoano ao apresentar a desumanização do homem nordestino. No romance São Bernardo (1934), de Graciliano Ramos, o narrador Paulo Honório, trabalhador braçal semi-alfabetizado, enriquece e compra, além da fazenda São Bernardo, sua esposa, a professora Madalena. Acometido de crises de ciúmes que remetem ao Dom Casmurro, de Machado de Assis, Paulo Honório é abandonado por todos após o suicídio da esposa.

Descreve-se, então, como "um aleijado. Devo ter um coração miúdo, lacunas no cérebro, nervos diferentes dos nervos dos outros homens. E um nariz enorme, uma boca enorme, dedos enormes." Esse homem que se destrói na incapacidade de refletir ou de sentir além da ganância e dos instintos básicos, animalizado e monstruoso, descreve-se como um "lobisomem". É como um "lobisomem" que o povo da região vê o mestre José Amaro, é como um "papa-rabo" que vêem o Capitão Vitorino.